O transporte rodoviário de cargas e passageiros, pela própria natureza da atividade, exige percursos de longa distância, muitas vezes em regiões remotas, onde a disponibilidade de combustíveis é limitada e a segurança nas estradas impõe desafios diários. Para mitigar esses fatores, tornou-se comum a instalação de tanques suplementares nos veículos, garantindo maior autonomia operacional.
Inicialmente, a instalação desses tanques era realizada pelo próprio transportador, mas a necessidade crescente levou os fabricantes a incorporá-los de fábrica, respeitando os mesmos padrões de segurança do tanque principal. Ainda assim, a ampliação da capacidade de combustível nos veículos gerou debates sobre a incidência do adicional de periculosidade aos motoristas, sob a justificativa de que o volume extra os exporia a maior risco.
A Regulamentação e a Controvérsia Judicial
A Norma Regulamentadora nº 16 (NR-16) do Ministério do Trabalho, em seu item 16.6, estabelecia que o transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos era considerado atividade perigosa, salvo quando realizado em pequenas quantidades, limitadas a 200 litros para inflamáveis líquidos e 135 quilos para inflamáveis gasosos liquefeitos. Com base nessa disposição, havia interpretações conflitantes no Judiciário: se o tanque suplementar ultrapassasse esse limite, haveria direito ao adicional.
Contudo, essa visão desconsiderava a evolução tecnológica dos veículos e a própria dinâmica da atividade transportadora. Veículos de grande porte possuem tanques de capacidade elevada sem que isso represente um risco maior do que aquele enfrentado por qualquer condutor de automóvel.
A Solução Legislativa: Lei nº 14.766/2023 e Alteração da NR-16
Para pacificar a questão, a Lei nº 14.766/2023 incluiu o § 5º ao art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), estabelecendo que não são consideradas atividades perigosas aquelas que envolvam inflamáveis contidos nos tanques originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio de veículos de carga e transporte coletivo de passageiros, desde que certificados pelo órgão competente.
Em 27 de agosto de 2024, a NR-16 foi atualizada para refletir essa diretriz, afastando expressamente a incidência do adicional de periculosidade nesses casos. Dessa forma, a discussão foi encerrada do ponto de vista normativo.
Ainda Há Risco de Judicialização?
Embora a regulamentação esteja clara, a realidade mostra que a discussão não se extinguiu por completo. Conforme noticiado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (Goiás) em 28 de fevereiro de 2025, ações trabalhistas ainda vêm sendo ajuizadas pleiteando o adicional de periculosidade com base em interpretações ultrapassadas da norma anterior.
Essa situação reforça a necessidade de um acompanhamento jurídico preventivo por parte das empresas de transporte. A ausência de estratégia adequada pode resultar em passivos trabalhistas desnecessários, mesmo quando há forte respaldo normativo em favor do transportador.
Reflexões Finais
Desde antes da edição da Lei nº 14.766/2023, sempre foi questionável a ideia de que a mera existência de um tanque auxiliar superior a 200 litros majora o risco da atividade. Um automóvel de passeio costuma ter um tanque de 50 litros, enquanto caminhonetes podem ultrapassar 130 litros sem que isso justifique qualquer distinção em relação à periculosidade.
Os verdadeiros riscos à segurança do motorista profissional não decorrem da presença de tanques suplementares, mas da exposição contínua a fatores externos, como rodovias perigosas, jornadas extensas e falta de infraestrutura adequada. Reduzir a frequência de abastecimento, ao contrário do que alegam algumas demandas trabalhistas, representa um benefício operacional e de segurança para todos os envolvidos.
O setor de transporte é dinâmico e precisa estar constantemente alinhado às mudanças normativas e às interpretações do Poder Judiciário. O acompanhamento jurídico especializado não é apenas um diferencial estratégico, mas um elemento essencial para garantir a segurança e a previsibilidade jurídica das operações.
Alessandro Silva Oliveira
Alessandro Oliveira Advogados, 2/3/2025.
